Fonte: https://revistapesquisa.fapesp.br/segredos-nos-lencois-maranheses/

As sinuosas cadeias de dunas, intercaladas com lagoas temporárias, do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses encantam turistas e intrigam pesquisadores. Afinal, como a areia, o vento e a água da chuva moldaram continuamente essa paisagem nos últimos 10.000 anos?

Qualquer um esperaria uma resposta intrincada para um problema tão complexo. Então, na primeira tentativa bem sucedida de simular no computador a dinâmica de um campo de dunas costeiras sob a ação da água da chuva, um grupo de físicos descobriu com surpresa que os Lençóis Maranhenses parecem existir por uma simples coincidência entre o ritmo anual de ascensão e queda do lençol freático e a intensidade com que o vento vindo do mar faz as dunas crescerem e se moverem.

Entendemos as condições particulares que levam à morfologia dos Lençóis, diz Eric Parteli, físico da Pernambuco que se especializou em dunas e atualmente faz pós-doutorado na Universidade Friedrich-Alexander em Erlangen. Ele é um dos autores do estudo publicado em julho de 2012 na revista Geomorphology junto com o físico cubano-alemão Hans Herrmann da Eidgenössische Technische Hochschule Zürich, na Suíça, e da Universidade Federal do Ceará (UFC). que, desde 2001, desenvolve um modelo capaz de simular no computador a dinâmica do vento e da areia, que criam e movimentam os mais diversos tipos de dunas.

Para o primeiro autor do artigo, o físico Marco Luna, que recentemente concluiu seu doutorado na UFC sob a supervisão de Herrmann, o poder das simulações está na capacidade de observar rapidamente o movimento de milhares de anos de areia soprada pelo vento e moldada nas águas. Além de testar hipóteses sobre a formação de dunas costeiras, o modelo também pode auxiliar na gestão de regiões litorâneas. Um exemplo seria avaliar o impacto ambiental causado pela instalação de aerogeradores, diz Luna.

Os Lençóis Maranhenses são o maior campo de dunas da América do Sul, com cerca de 1.500 quilômetros quadrados, o mesmo da cidade de São Paulo. Existem alguns rios, dunas fixadas pela vegetação da Restinga, manguezais e lagos permanentes. Mas dois terços do parque são na verdade cobertos por dunas de areia livres, que podem se mover até 10 centímetros em um dia de vento forte.

Ao longo dos 50 quilômetros de costa do parque estende-se uma praia plana entre 600 metros e 2 quilômetros de largura, atrás da qual emergem dunas de 10 a 20 metros de altura, que se interligam e formam longas cadeias sinuosas de até 75 quilômetros de extensão. Extensão que penetra mais de 20 quilómetros para o interior. A aparência amassada e foliar dessas serras deu origem ao nome do parque.

Diferentemente de outros desertos, os Lençóis recebem uma quantidade de água relativamente grande: até 2.000 milímetros de precipitação anual. No entanto, mais de 90% dessa chuva cai de forma concentrada entre janeiro e julho, quando é rapidamente absorvida pela areia, elevando o lençol freático acima do solo e enchendo as poças temporárias entre as cadeias de dunas, que dificilmente se movem neste momento de ano. por causa da umidade e sem vento. Os lagos têm cerca de um metro de profundidade na estação chuvosa e secam na segunda metade do ano, quando predominam os ventos, que sopram sempre de leste e atingem velocidades de 70 quilômetros por hora. É quando as dunas se movem mais, explica Parteli.

Bebês das dunas

Em setembro de 2003, Parteli, Herrmann e outros pesquisadores passaram seis dias em Lençóis fazendo medições para comparar com suas simulações de computador. Eles registraram quanta areia o vento pode carregar e quão grandes são as menores dunas de 50 centímetros de altura que acabaram de eclodir na praia. São poucos os lugares onde a história da Terra pode ser vivenciada dessa forma, diz Parteli. Por ser um campo muito extenso, em Lençóis podemos ver todas as etapas do desenvolvimento de uma duna costeira, desde o nascimento até a maturidade.

As dunas se movem graças a um fenômeno chamado saltação. Tudo começa quando o vento sopra forte o suficiente para levantar alguns grãos de areia do chão. À medida que caem, esses grãos colidem com outros que jorram para cima. O número de grãos que brotam aumenta cada vez mais até que uma nuvem de areia de até 15 centímetros de altura se forma perto do solo. Quando o vento sopra sempre na mesma direção, as dunas assumem uma forma crescente conhecida como barcana, um montículo com dois braços orientados a favor do vento. A saltação coleta areia nas costas das barcanas e faz com que os grãos subam para o topo antes de deslizar para o outro lado por meio de avalanches. É assim que as barcanas crescem e se movem movidas pelo vento.

A partir de 2010, o modelo de Herrmann e seus colegas atingiu o nível de sofisticação necessário para recriar o nascimento das barcanas de um vento soprando em montes de areia ao longo uma praia. A primeira coisa que descobriram nas simulações foi que o campo de dunas só se forma quando o vento que sopra na praia carrega tanta areia quanto sua força permite. Isso é importante para criar as dunas, explica Parteli. A presença de uma placa tectônica que fornece cada vez mais areia [puxada para a praia pela água do mar] também é condição fundamental para a existência de Lençóis.

Nas simulações, vários bebês barkans nascem lado a lado na praia e depois se unem em dunas longas e estreitas chamadas dunas transversais, que são como uma série de ondulações na areia perpendiculares à direção do mar. Vento. À medida que as dunas transversais acumulam areia e avançam para o interior, as instabilidades nas avalanches fazem com que suas ondas se quebrem em pedaços que eventualmente se desfaçam e assumam a forma de barcanas maiores. A cerca de um quilómetro da costa, as barcanas em crescimento já atingiram os cinco metros de altura. A areia abundante dos Lençóis forma tantos barcanoides que acabam juntando seus braços e formando cadeias onduladas chamadas barcanóides que compõem as folhas dos parques nacionais. forma como os Lençóis. Dois elementos ainda não foram introduzidos no modelo, que os pesquisadores suspeitam ter um grande impacto nas dunas do Maranhão: vegetação e água da chuva.

Água do deserto

Em 2011, pesquisadores realizaram simulações de dunas costeiras com base no modelo desenvolvido no trabalho de doutorado do físico cubano Orencio Durán, atualmente trabalhando na Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, EUA. Duran determinou as equações matemáticas que descrevem a luta entre a intensidade do vento carregado de areia e a taxa de crescimento do banco de areia. Ele descobriu que se a vegetação cresce rápido o suficiente, ela pode prender os braços de Barchan. Assim, apenas o corpo da duna se move e a duna finalmente adquire a chamada forma parabólica, com sua curvatura interna voltada contra o vento. Embora existam algumas dunas parabólicas no Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, as simulações deixaram claro que a vegetação quase não teve influência sobre as dunas livres.

Algo realmente parecido com os Lençóis apareceu no computador somente quando os pesquisadores incluíram na simulação os ciclos anuais do lençol freático e do vento. Eles descobriram que, na estação chuvosa, as lagoas temporárias entre as cadeias de dunas são as responsáveis por suavizar e alongar as curvas das barcanoides, criando a forma encontrada nos Lençóis. A água também limita o crescimento das barcanas a uma altura de 20 metros. Sem as lagoas, as dunas tenderiam a crescer indefinidamente à medida que avançam para o interior. As lagoas das simulações se assemelham às verdadeiras, com a mesma profundidade máxima (em média um metro), cobrindo uma área próxima à que as lagoas, com variadas formas e tamanhos, ocupam nos Lençóis Maranhenses.

Os pesquisadores experimentaram mexer em dois parâmetros do modelo: a quantidade de precipitação e a duração do ciclo de cheias e secas. E viram que as simulações só resultavam nos lençóis de areia intercalados pelas lagoas quando as chuvas caíam na quantidade e na periodicidade que acontece realmente nos Lençóis. Se as lagoas durassem menos tempo e cobrissem uma área menor, a paisagem seria completamente diferente, com dunas disformes e mais altas. Se, ao contrário, as lagoas fossem maiores e mais estáveis, no lugar das dunas haveria uma planície de areia.

Segundo Parteli, há uma explicação física para esse fato. Pelas equações do modelo, as cadeias de dunas só podem se intercalar tão regularmente com as lagoas quando a oscilação anual do lençol freático coincide com o tempo que demora para as dunas percorrerem uma distância igual a sua largura na direção do vento. Nos Lençóis, esse tempo é justamente da ordem de um ano.

Apesar do sucesso, Parteli considera que o modelo ainda precisa melhorar para fornecer resultados quantitativos mais precisos. A descrição do vento entre os braços das dunas, por exemplo, ainda é muito simplificada e pode afetar a forma exata das dunas. Ele espera incluir mais detalhes nas simulações, como as variações de relevo do parque e da quantidade de areia disponível ao longo da costa. “Só assim poderemos usar o modelo para prever o futuro dos Lençóis”, diz.

“É um bom trabalho, mas baseado principalmente em teoria”, comenta o especialista em dunas Haim Tsoar, da Universidade Ben-Gurion, em Israel, que já realizou estudos sobre os Lençóis. “Poderia melhorar com mais trabalho de campo para corroborar suas conclusões.”

Algo como os Lençóis só apareceu no computador quando os pesquisadores incluíram na simulação os ciclos anuais do nível do lençol freático e do vento. Constataram que durante a estação chuvosa, as lagoas temporárias entre as cadeias de dunas são responsáveis ​​por suavizar e alongar as curvas dos barcanóides, criando a forma encontrada nos Lençóis. A água também limita o crescimento das barcanas a uma altura de 20 metros. Sem as lagoas, as dunas tenderiam a crescer infinitamente à medida que se deslocam para o interior. As lagoas nas simulações são semelhantes às reais, com a mesma profundidade máxima (um metro em média) e cobrem uma área próxima à das lagoas dos Lençóis Maranhenses, com formatos e tamanhos diferentes.

Apesar do sucesso, Parteli acredita que o modelo ainda precisa ser aprimorado para fornecer resultados quantitativos mais precisos. A descrição do vento entre os braços das dunas, por exemplo, ainda é muito simplificada e pode influenciar na forma exata das dunas. Ele espera incluir mais detalhes nas simulações, como: B. Variações no relevo do parque e na quantidade de areia disponível ao longo da costa. Só assim podemos usar o modelo para prever o futuro de Lençóis, diz ele.

É um bom trabalho, mas é principalmente baseado em teoria, comenta o especialista em dunas Haim Tsoar, da Universidade Ben Gurion, em Israel, que já conduziu estudos sobre Lençóis. Ele poderia melhorar com mais pesquisas de campo para apoiar suas conclusões.